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“Você não é todo mundo”: reflexões sobre o AI Act no Brasil

*Por Luis Fernando Prado 

– Mãe, posso comprar tal coisa? 

– Não. 

– Mas todo mundo tem! 

– Você não é todo mundo. 

Começo este artigo com memórias da infância, que imagino que sejam comuns aos(às) leitores(as). Seja por não enfrentar as especificidades da situação ou pela utilização de um exagero sabidamente inexato, fato é que aquela abordagem “mas todo mundo está fazendo” raramente vingava. 

Essas memórias ressoam na minha mente ao estudar o AI Act, a legislação da União Europeia sobre Inteligência Artificial, recém-aprovada pelo Parlamento Europeu em Bruxelas. 

O que uma coisa tem a ver com a outra?

Parte 1 –  O “efeito Bruxelas”

As implicações do AI Act para o Brasil são notáveis, dada a tramitação do Projeto de Lei (PL) 2.338/2023 do Senado, que muito se espelha no regulamento europeu. Recentemente, em uma reunião produtiva com o gabinete do Senador Relator Eduardo Gomes, em Brasília, onde estive presente juntamente com a Associação Brasileira de Inteligência Artificial (ABRIA), discutimos abordagens alternativas para a regulamentação da IA no Brasil que não se resumem a seguir fielmente o (bastante rígido) modelo europeu. 

Inclusive, apresentamos ao gabinete do Senador um trabalho de pesquisa e mapeamento dos pontos da Executive Order editada pelo governo Biden, nos EUA, que poderiam ser úteis para o cenário brasileiro. 

Ainda assim, não há como negar a influência que a regulamentação recentemente aprovada pela União Europeia exerce sobre o tema no Brasil, com o AI Act pautando inúmeras discussões sobre os rumos do PL 2.338/2023. 

Aliás, não é só no Brasil que o AI Act vem protagonizando os debates. Daqui a alguns dias, acontecerá o Global Privacy Summit da IAPP, em Washington, DC. Um evento global, com representantes de todo o mundo, acontecendo na capital dos Estados Unidos. Nele, 80% (ou mais) dos debates estarão focados no AI Act

Portanto, está presente e é inafastável o famigerado “efeito Bruxelas”. 

Contudo, é preciso cautela: mesmo na UE, o AI Act nunca foi consenso, o que mostra que o debate sobre a regulamentação de IA ainda está amadurecendo. Nesse ponto, deve o Brasil refletir sobre os impactos de se adotar o ritmo e o rigor regulatório da UE para a sua – extremamente incipiente – estratégia de IA. 

Mesmo que, num futuro breve, “todo mundo” venha a difundir os moldes da regulamentação europeia, que é bastante rígida e prescritiva, temos de lembrar que o Brasil não é todo mundo.

Parte 2 –  A (utópica) extraterritorialidade do AI Act

O AI Act estabelece expressamente que suas disposições são aplicáveis para qualquer empresa que disponibilize seus sistemas de IA ao mercado da UE e/ou que utilize resultados de sistemas de IA na UE (artigo 2º). 

Certa vez, tive a oportunidade de dissertar sobre o quão polêmica (e ineficaz) é a regra da extraterritorialidade do GDPR (General Data Protection Regulation), inclusive à luz das normas de Direito Internacional (vide “A extraterritorialidade do GDPR e suas sanções: é possível aplicá-las no Brasil?”, artigo escrito nesta obra coletiva, coordenada por Viviane Maldonado). 

No que se refere ao AI Act, da forma como está, no texto recém aprovado, basicamente, qualquer empresa do mundo que disponibilize sistemas de IA ou “utilize seus resultados” na UE está sujeita à nova regulamentação europeia. 

No comparativo com o GDPR, a pretensiosa aplicação extraterritorial do AI Act esticou de vez a corda: 

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O recado que fica é o de que a União Europeia quer que todo mundo cumpra o seu AI Act, mas, como já diziam nossas mães… 

*Luis Fernando Prado é sócio fundador do escritório Prado Vidigal, especializado em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados.